quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Druidismo

"Como definir uma religião que é, antes de tudo, uma religião antiga extinta há vários séculos? Sem dúvida que só se pode encarar uma resposta a uma tal questão decidindo comparar esta a uma outra forma de religião que conhecemos melhor. Foi o que se fez graças essencialmente aos avanços fundamentais trazidos por Georges Dumézil respeitantes ao estudo da organização social e religiosa dos Indo-Europeus. É, com efeito, neste quadro que a religião céltica deve ser encarada. Os Celtas são, com os Indianos, o povo que parece ter mantido, durante um período mais longo, um quadro social tipicamente indo-europeu baseado sobre a tripartição funcional, mas, também e sobretudo, parece ter sabido conservar uma classe sacerdotal dominante, os brâmanes na Índia e os druidas por todo o lado onde os Celtas se implantaram. Os Celtas partilham ainda com a Índia um sistema de governo que divide o poder em dois, a autoridade espiritual, representada pelo druida, e o poder temporal, representado pelo rei. Certamente, esta concepção encontra-se em todos os povos de origem indo-europeia, mas na maior parte das vezes ela ficou apenas como ideal teórico, enquanto que na Irlanda, por exemplo, esta organização ficou viva até ao século IV da nossa era. Desde então, a religião céltica não pode ser concebida fora da classe sacerdotal dos druidas. Estes eram, de algum modo, a própria religião. Ao mesmo tempo, padres, sacrificadores, professores, adivinhos, médicos, genealogistas, músicos, poetas, arquitectos, todas as funções sagradas lhes eram entregues. Eram deuses descidos entre os homens e o seu papel era manter o equilíbrio da criação até que o fogo e a água reinassem de novo sozinhos.
inline imageQual foi a origem do druidismo? É preciso primeiramente excluir todas as hipóteses respeitando uma possível continuação de um xamanismo neolítico, misturado a um corpo de doutrina indo-europeia e analisarmos o que os próprios druidas nos deixaram saber acerca da sua 'proveniência'.
Na narrativa de A Batalha de Mag Tured, é dito que:
"Os Tuatha De Dannan estavam nas ilhas ao Norte do Mundo, ensinando a ciência e a magia, o druidismo, a sabedoria e a arte. E ultrapassaram todos os sábios das artes do paganismo."
Estas ilhas são quatro, e em cada uma delas vivia um druida que reinava numa cidade, Morfesae em falias, Esras em Gorias, Uiscias em Findias e Semias em Murias. Destas ilhas foram levados os talismãs dos principais deuses irlandeses. Além disso, César informa-nos que a doutrina dos druidas "foi elaborada na Bretanha e, daí, pensa-se, foi levada para a Gáulia; e hoje ainda, a maior parte dos que querem conhecer melhor esta doutrina, têm de ir lá para a aprender."
Numerosos autores relatam, além disso, narrativas maravilhosas sobre as ilhas, não longe das costas gaulesas e bretãs, o que a mitologia irlandesa assinala dizendo-nos que certos heróis iam aperfeiçoar-se na Escócia. Cuchulainn trará dali rudimentos de magia e, em geral, esta estada nas terras setentrionais reveste um carácter iniciático.
A propósito das narrativas relatadas por autores gregos, a de Plutarco relativa à ilha de Ogígia é das mais interessantes. Com efeito, o sábio grego fala desta ilha com aquela onde dormiria Cronos. Ora, na interpretação grega, Cronos é o Dis Pater gaulês, deus dos mortos, pai de todos os vivos, tal como o Dagda irlandês, que é dito Eochaid Ollathir, 'pai poderoso', cuja moca mata por uma ponta neste mundo e pela outra ressuscita no Outro Mundo.
O Dagda, que é o deus-druida, o deus dos druidas, não é logicamente aquele para quem os druidas se deviam virar a fim de aprofundar os seus conhecimentos?
Não seria preciso, com certeza, confundir as ilhas míticas e as ilhas bem reais que serviram de santuários sagrados e onde os druidas iam aperfeiçoar o seu saber, mas todavia, quando queremos estudar o mito não é necessário ter medo de reconhecer a sua plena realidade. As ilhas do Norte do Mundo não pertencem ao nosso mundo e é inútil querer situá-las geograficamente, tão inútil como tentar encontrar sobre a Terra o monte Meru da tradição indiana. As ilhas reais, que foram lugares de cultura, são imagens, actualizações de qualquer espécie, das ilhas donde provêm os mais altos conhecimentos. Todavia, tal como o Meru e Tule, cujo simbolismo é bem próximo, as ilhas míticas dos Celtas estão situadas ao Norte, ou a Oeste, o que para os Celtas é o mesmo (...). Esta situação lembra que os sítios míticos são concebidos como centros ou pólos, donde provêm os seres primordiais e o seu saber."- Tierry Jolif, Mitologia Céltica, Hugin, 2004

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